Para quem não percebeu, o Presidente dos Estados Unidos da América, Joe Biden, decidiu finalmente desistir de continuar a corrida a um segundo mandato na Casa Branca. A decisão foi tomada em momento de dificuldade física e forte pressão. Mas no final, como muitas vezes acontece, foi o seu corpo que lhe disse que era hora de pararestar satisfeito com o que fez e ainda poderá fazer pelo seu povo nos próximos seis meses – os que faltam até ao final do seu mandato – sem se estender mais.
Biden, na verdade, teve que fazer isso nos últimos dias suspender a campanha eleitoral devido à Covid. A oportunidade certa para pensar sobre o que era melhor para si mesmo, para o futuro dos Estados Unidos e de grande parte do mundo, gostemos ou não.
A maioria dos analistas considerou esta escolha sábia. A escolha que o inscreveu no registo de maiores presidentes da história recente “enquanto serve o país por apenas um mandato.” E peço-vos que não façam minhas estas palavras porque sei que muitos teriam objecções tendo em conta a gestão da crise climática e a situação catastrófica da Faixa de Gaza.
“Ao se afastar, Biden fez a coisa mais importante que poderia fazer neste momento para proteger os Estados Unidos de Trump”, respondeu ele. Timóteo Naftalijornalista e historiador que colabora com o “Instituto de Política Global” da Universidade de Columbia, em entrevista à revista Foreign Affairs. Uma resposta a uma pergunta cujo objetivo era tente entender o que poderia ser feito para evitar que nos encontrássemos numa situação semelhante à de 2016, quando muitas das conquistas alcançadas com dificuldade pelo então presidente Barack Obama foram varridas com a vitória de Donald Trump. Canceladas uma a uma devido à dupla maioria – tanto na Câmara quanto no Senado – obtida pelo Partido Republicano.
Desta vez, porém, se a decisão de Biden, embora não tenha impedido o regresso de Trump à Casa Branca, impediu os republicanos de conquistar pelo menos uma das duas câmaras, então poder-se-ia dizer que foi a melhor escolha. Sim, porque só assim haveria um contrapeso ao poder excessivo do presidente capaz de tornar seguro, ou seguro, algumas das decisões de política externa. Também neste caso é muito subjetivo avaliar o desempenho de Biden na gestão, por exemplo, da guerra na Ucrânia, mas é muito provável que uma vitória total (presidência mais Congresso) de Trump abrisse caminho para a transferência da maior parte de os territórios ucranianos ocupados pela Rússia.
De qualquer forma, o que é preciso sublinhar é que perder ou desistir de um segundo mandato não significa ser um “mau presidente”. Naftali afirma isso durante a mesma entrevista, entendendo a situação psicológica vivido por Biden e comparando-o com o de Bush pai: “Ele era extremamente qualificado e tinha as ferramentas certas para gerir o fim da Guerra Fria, bem como os primeiros anos que se seguiram. No entanto, ele não queria ser lembrado como presidente de um único mandato. Assim, quando foi derrotado em 1992, deixou o cargo numa depressão profunda, como se de alguma forma tivesse falhado como presidente, embora o seu único mandato tivesse, de facto, sido importante e significativo.” Naftali conclui esperando que o tempo também pode ajudar Biden para perceber quanto bem ele fez pelo seu país.
Bem, agora é hora olhe para frente. Como muitos de vocês sabem, entre as pessoas mais populares para ocupar o lugar de Biden na corrida pela Casa Branca está o seu vice: Kamala Harris. Deixo-vos dois artigos sobre a sua figura, a sua experiência, a sua história. Um feito por Mara Budgen na época de Vitória em 2020 e o outro de Luigi Mastrodonato um dia após a decisão de Biden. O que eu gostaria de focar aqui agora é tentar entender por que grande parte do mundo climático tem esperança na hipótese de que Harris poderia vencer as eleições de 5 de novembro. O que nos ajuda, neste caso, é uma anedota relatada por Emily Atkinautor do boletim informativo Heated.
Atkin se lembra daquela época, em 2016quando – como procuradora-geral do estado da Califórnia – conseguiu bloquear um plano de perfuração na costa do Pacífico em busca de combustíveis fósseis, através da polêmica técnica de perfuração fraturamento hidráulico. Um plano que na altura tinha sido aprovado por ninguém menos que Barack Obama. Uma escolha que para Obama foi justificada por considerar o fracking como uma técnica de transição entre a antiga indústria fóssil e as renováveis. Uma consideração que para Harris era arbitrária, discricionária e contrário às leis ambientais: “Devemos tomar todas as medidas possíveis para proteger a nossa preciosa costa e o nosso oceano.”
Quatro anos depoiscomo senadora, Kamala Harris avançou, junto com a deputada Alexandria Ocasio-Cortezum projeto de lei para colocar o justiça climática e o luta contra as desigualdades sociais no centro das políticas ambientais dos EUA. Todas as suposições que nos levam a esperar que Harris possa estar ainda mais convencido e determinado do que Biden na condução da luta contra a crise climática. Além disso, mesmo que Biden tenha se mostrado um defensor do desenvolvimento de fontes renováveis, não se mostrou igualmente convencido da necessidade de abandonar ao mesmo tempo os combustíveis fósseis. Não é por acaso, aliás, que a extração de petróleo nos Estados Unidos atingiu hoje o seu pico o maior produtor de petróleo bruto do mundo. Estamos a falar de quase 14 milhões de barris por dia, muito mais do que até mesmo a Arábia Saudita.
O que é certo é que Kamala Harris, caso se torne a nova candidata democrata, terá que trabalhar muito convencer todas as pessoas que hoje não se sentem representados por Trump, mas nem mesmo por Biden. E não será fácil porque durante quatro anos ele teve que compartilhar muitas decisões polêmicas, permanecendo quase nas sombras. Deixando seu potencial não expresso. Ou talvez guardado. Esperando a hora certa chegar. E para Harris a hora é agora. Este é o momento de convencer as minorias, as pessoas forçadas à margem da sociedade. Aqueles que nos últimos anos lutaram e pediram em voz alta para acabar com as guerras que causaram milhões de mortes em muito pouco tempo. Aqueles que lutaram contra a crise climática que abalou territórios inteiros. Assim como acontece com uma guerra, mas em escala global.
Harris tem pouco mais de cem dias para realizar essa façanha, ele fará isso?